quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Viva a Madeira!

Por volta do início de 1999 me deparei com aquele dilema de todo estudante recém-formado: procurar o primeiro emprego. Depois de mais de três meses de entrevistas mal sucedidas, resolvi me inscrever num desses sites de colocação profissional pra ver no que dava. Após algum tempo de meu currículo inscrito no site recebi um e-mail dizendo pra eu comparecer numa dinâmica de grupo e concorrer à uma vaga de engenheiro numa empresa aqui de São Paulo. No dia da entrevista vesti meu melhor terno e fui com toda minha "experiência" de dinâmicas de grupo anteriores passar por mais um daqueles blablablás de recursos humanos. Foi neste dia que conheci uma das pessoas mais importantes de minha carreira profissional, minha primeira chefe, a Cláudia. Era uma uruguaia baixinha, loira, cabelos curtos e meio gordinha com um pequeno diastema nos dentes frontais, porém com um brilho muito especial nos olhos. Dinâmicas feitas, fui-me embora pra casa já pensando em procurar outro lugar pra mandar meu pobre e vazio currículo de recém-formado. Mas, ao baixar minhas mensagens me deparo com um e-mail da Cláudia pedindo pra me entrevistar melhor no dia seguinte, que tinha gostado da minha atuação na dinâmica e enfatizando que eu não precisava vir de terno. - Ufa! - pensei comigo mesmo - odeio mesmo ter que usar terno! 

Cláudia me contratou pra trabalhar numa área nova da empresa e que iria iniciar um trabalho em parceria com os famosos paisagistas e arquitetos paulistanos oferecendo o serviço de execução de decks de madeira com espécies de reflorestamento, como o Pinus. Eu não sabia nada de madeira, e naquela época a Cláudia sabia muito pouco também. Confesso que na faculdade de engenharia civil, nunca fui muito dedicado à matéria "Estruturas de Madeira", ministrada brilhantemente pelo mestre Andriolo na Escola de Engenharia Mauá. 

Comprávamos madeira da Preservam e da (extinta) Battistela, dois grandes produtores de madeira de reflorestamento. Aprendi o que era tratamento em autoclave e tinha o discurso ecológico na ponta da língua pra dizer aos clientes. Minha chefe aprendia junto comigo também, estávamos os dois começando a entrar em contato com esse material fascinante e aos poucos fui percebendo como o bichinho da madeira já tinha me picado. Uma vez recebi a visita de um engenheiro da Battistela no escritório, o Montanha. Ele me ensinou a fazer o cálculo estrutural de uma viga biapoiada de pinus que recebia a carga de um deck de madeira e através desse pequeno cálculo eu conseguiria dimensionar as peças pra comprar da empresa que ele trabalhava. Esse foi o começo de um novo mundo pra mim. Dá pra calcular madeira assim? Pela norma e tudo? Fascinante!

Conheci a NBR7190 (norma de estruturas de madeira) a fundo mesmo nessa empresa, e junto com a Cláudia desenvolvemos nossas primeiras planilhas de cálculo estrutural pra decks, que calculavam peça por peça. Eu também ia muito pra obra liderar as equipes de montagem de decks. A gente tinha um carpinteiro que era telhadista, o Sr. João, com quem aprendi muito. O velho Sr. João sabia muito trabalhar com madeira e sabia ler projeto. Eu podia desenhar o que fosse que ele executava. Várias vezes meti mesmo a mão na massa, ou melhor, na serra circular e ia ajudar o Sr. João a cortar madeira e a pregar réguas de deck. Naquela época eu não aguentava ficar só olhando! Seu filho adolescente o Joãozinho era seu aprendiz, o que mostrava que ser carpinteiro ainda era uma profissão que se passava de pai pra filho, como antigamente. Demos boas risadas juntos e passamos várias noites montando ambientes de CasaCor aqui em São Paulo.

Muitas e muitas obras se passaram depois deste meu primeiro contato com a madeira, cada vez maiores e mais complexas. Mas esse início retrata muito quem eu sou hoje: uma pessoa que vive a madeira. A madeira me escolheu, não fui eu que a escolhi. Foi ela quem me fez aprofundar meus estudos neste material que é o mais estudado do mundo, porém também retrata como é a realidade brasileira. A gente aprende quase nada sobre madeira nas universidades, e os carpinteiros não aprendem em escolas. Quem sabe trabalhar com madeira é quem convive com a madeira, quem coloca ela em evidência, quem mete a mão na serra!

E como o bichinho da madeira também mordeu a minha primeira chefe, a Cláudia, hoje ela está numa empresa nova, que trabalha com certificação FSC de madeira nativa na Amazônia, a Amata Brasil! Comprei madeira dela este mês pra fazermos nossa primeira obra com madeira certificada com FSC, em Minas Gerais.

E VIVA A MADEIRA!!! 

Texto : Eng. Alan Dias